1. Não me surpreende o relativo sucesso da petição lançada contra o Acordo Ortográfico. Já afirmei publicamente que, se o Acordo fosse sujeito a referendo, o resultado seria um expressivo não. Digo-o apesar de ser um apoiante do Acordo, e (o segundo) subscritor da petição lançada pelo MIL: Movimento Internacional Lusófono, em prol de uma mais rápida implementação do mesmo.
Mas as coisas são como são: as razões para apoiar este Acordo derivam sobretudo de uma "visão estratégica" que procura promover a maior unidade possível da Lusofonia. Ora, a maior parte das pessoas é pouco sensível a essa "visão estratégica", preocupando-se apenas com a "língua portuguesa" em particular – não com a Lusofonia como um todo. E por isso são indiferentes ao facto, totalmente absurdo, de, actualmente, nos fóruns internacionais, como na ONU, os documentos terem que ser traduzidos para "duas línguas": "a portuguesa" e "a brasileira".
2. Decerto, muitos daqueles que estão contra o Acordo Ortográfico, a começar pelo insigne poeta Vasco Graça Moura, amam, de facto, a língua portuguesa. Não é, pois, esse, o ponto. O ponto é que o Acordo não tem a ver apenas com a língua portuguesa mas com a Lusofonia, na sua acepção mais vasta. Ou seja, não apenas portuguesa.
Em 1911, Portugal, com a reforma ortográfica que fez, cindiu, unilateralmente, a unidade da língua. Daí decorreu um afastamento cada vez maior entre o "português" e o "brasileiro". Com este Acordo, há uma real possibilidade de reunificação – não é a perfeita, mas é a possível (obviamente, um prato recolado nunca fica tão perfeito como um prato não partido). Sem Acordo, o que vai acontecer é que se vai consagrar a diferença entre a "língua portuguesa" e a "língua brasileira", tornando-se esta, cada vez mais, a língua lusófona por excelência.
3. É óbvio que, como bradam muitos dos opositores ao Acordo, este configura uma "violência" sobre a língua portuguesa e que não há razões endógenas para o fazer. A língua, por si só, não o pede. Por isso, todo o debate sobre o Acordo centrado em razões linguísticas está condenado ao fracasso. Ainda que o espantalho do abastardamento da etimologia seja apenas isso, um espantalho: apenas para dar três exemplos, de acordo com a etimologia, "erva" deveria escrever-se "herva"; "contrato" deveria ser grafado "contracto" e "prático" deveria ser "práctico". Se os opositores do Acordo insistem neste argumento, deviam pois propor o regresso à "orthographia" utilizada antes de 1911.
4. Há também aqueles que estão contra o Acordo porque acham que ele não vai suficientemente longe. Não tenhamos ilusões: se este Acordo naufragar, não haverá, no espaço de 20 anos, nenhuma outra proposta de Acordo. E aí já será tarde: nessa altura, já todos os outros países lusófonos adoptarão a grafia brasileira.
5. Finalmente, há uma razão ainda mais prosaica para a maior parte das pessoas estar relutante em relação ao Acordo: quando este for finalmente implementado, as pessoas vão ter que "reciclar" o seu modo de escrever. Ora, isso dá trabalho. É muito mais "convincente" defender que tudo deve ficar na mesma...
Renato Epifânio
|